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Rima em Prosa #17: Conheça Marcola Bituca e “Os Últimos Filhos de Sião”

06/08/2020 às 20:15
Tempo de leitura
9 min

Os Últimos Filhos de Sião é o mais novo disco de Marcola Bituca. Composto por nove faixas, o álbum traz a participação de nomes como Cristal, Rincon Sapiência, Ibrahim Project, Caboclo de Cobre e MCDO (Afrocidade). Além disto, este trabalho estipula uma nova estética musical para a carreira do rapper, que é natural de Salvador-BA e buscou trazer diversas referências neste novo projeto. Fruto de uma grande geração do rap baiano, o soteropolitano é um dos mais talentosos nomes do estado. Mesmo sem estar no radar do grande público e da grande mídia, Marcola, que na verdade é João Marcos, segue lançando grandes produções. Ano passado, em agosto, o rapper botou yÁ’t nas ruas. Este disco foi destaque em uma lista que fizemos alguns meses atrás. Clique aqui para conferir.

Entrevistado desta semana na Rima em Prosa, Marcola destrinchou as principais referências culturais e religiosas que Os Últimos Filhos de Sião traz, e nos contou um pouco de suas percepções sobre a cena baiana, além de revelar alguns dos novos projetos que tem feito para divulgar seu mais recente trabalho. Confira:

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Influências baianas e religiosas em seu trabalho

MM: Alguns meses antes de Os Últimos Filhos de Sião, você lançou yÁ’t, outro álbum que rendeu muitas críticas positivas em blogs e sites especializados. Em sua visão, quais são as principais diferenças entre esses dois trabalhos? Nesse meio tempo, houve alguma mudança no Marcola enquanto músico?

MB: A mudança de um para o outro, em termos de música e sonoridade, é muito grande. Os Últimos Filhos de Sião é um álbum ambientado pra soar com a estética do groove arrastado e com a influência do rap londrino, enquanto yÁ’t era algo mais com guitarras distorcidas e tinha uma estética de rock e pop. Já a mudança do Marcola, ela passa pela mudança do João Marcos. Então acho que nesse meu princípio de renascimento, acaba mudando tudo. Principalmente a maneira de tratar a música.

MM: O seu novo álbum está repleto de referências nos mais diversos aspectos. Algumas das mais nítidas são as que você fez à alguns estilos musicais que são muito populares na Bahia, como o famoso pagodão. O que busca trazer da musicalidade baiana para o seu trabalho? Quais são as suas inspirações nesses gêneros?

MB: Não planejamos no início do álbum para que ele soasse dessa maneira, mas a gente já sabia que seria pagodão groove arrastado, que é um estilo de pagode que surgiu no meio dos anos 2000 e durou uns cinco ou seis anos. Movimento Shake Style que teve ali com Parangolé de Bambam e Nenel, Fantasmão de Edy, era algo que ia além da música. Estava nas cores e na cara da cidade. Era uma febre estética. Acredito que, junto com o Dub, é a principal referência nas minhas músicas, e influenciou bastante.

MM: Em grande parte de seus trabalhos, você faz referências ao cristianismo e à pessoas, objetos ou passagens presentes na Bíblia. Você se identifica com alguma religião? De que forma você lida com suas crenças e as relaciona com sua música?

MB: Eu tenho práticas religiosas da Fé bahá’í, mas sou estudante dos mistérios que envolvem o Cristo. Cristo não como ser, mas como um título. Um Cristo que nasce de dentro pra fora, nas suas pequenas atitudes, nas suas ações quando não tem palco… Quando ninguém tá vendo. O Cristo Íntimo. Eu poderia dizer que sou um cristão não ortodoxo, fora do padrão. Alguém que busca ascender dentro do mundo, no meio de todos, com todos, me renunciando todos os dias e aprendendo com isso, porém é o começo, eu não sei aonde tudo isso vai parar. A música é apenas uma ferramenta pra levar a mensagem do criador pra criatura, para que juntos, nós possamos nos tornar filhos. Os Últimos Filhos de Sião é sobre isso.

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Foto: Divulgação/Marcola Bituca

Detalhes e projetos envolvendo Os Últimos Filhos de Sião

MM: Uma das participações mais comentadas deste novo álbum foi a com Rincon Sapiência, que fez feat na faixa Quebra Queixo e participou da produção de Corredor da Vitória. Como foi estar colaborando com esse grande nome do rap brasileiro?

MB: A participação do Rincon veio bem natural mesmo. Ele acabou conhecendo meu trabalho pela faixa Semop, que foi divulgada na página da ODB. Depois ele me seguiu no Instagram, onde desenvolvemos um contato e trocamos ideia durante meses. Após o lançamento de yÁ’t, eu fiz o convite, mas a produção só rolou uma semana antes do carnaval deste ano. No estúdio o processo foi bem natural.

MM: Como forma de divulgação do disco e de seu trabalho como um todo, você está trabalhando que nos próximos dias você possa estar indo até São Paulo para gravar uma apresentação no estúdio do Showlivre. Como estão suas expectativas para esta viagem? Como surgiu o convite para este trabalho?

MB: O Showlivre é um canal de muita importância para a música brasileira. Por ali já passaram vários artistas. Eu já tinha algum contato com a produção, mas a comunicação pra ir lá de forma recente foi uma surpresa. Eu procuro sempre me tranquilizar em relação a isso, porque o Showlivre não é um objetivo, assim como quase nada que faço recente é. Tudo pra mim é instrumento para eu levar a mensagem. E eu tenho que ter sabedoria pra levar a palavra certa, na hora certa, pras pessoas certas. Agora, o Showlivre é de extrema importância artística e estou fazendo por onde para entregar um espetáculo dentro do permitido nesse período de pandemia.

MM: Vi que mais algumas músicas do álbum vão ganhar videoclipes. Quais são as faixas planejadas?

MB: Sairá um clipe de Sinos de São José e uma versão deluxe de Jazz para o Fim do Mundo, além de um mini-documentário sobre o disco.

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Percepções cena do rap na Bahia

MM: Nos últimos quatro anos, a cena baiana cresceu bastante e se tornou uma das maiores fora do eixo RJ-SP. Além de termos nomes de bastante sucesso comercial, temos uma grande pluralidade de sons e artistas presentes em todas as principais vertentes do gênero. Como você enxerga essa expansão no seu estado?

MB: Eu acho que alguns artistas daqui já entenderam a importância de mesclar nossa musicalidade com a música digital. Acaba soando como se fosse nosso rap e, de fato, é.  BaianaSystem, ÀTTØØXXÁ, Afrocidade e muitos outros projetos são exemplos. Mas ainda acho uma cena muito verde e é preciso de mais expoentes pra consolidar aos olhos do público do eixo a ideia de que existe uma cena forte. Não podemos soar como se apenas parecesse que tem. Eu sou apenas uma engrenagem que precisa de mais peças pra se firmar.

MM: Há algum desses artistas que você se identifique e ainda deseje colaborar em um futuro próximo?

MB: Eu gosto bastante da sonoridade do BaianaSystem e se um dia o espírito apontar, poderá acontecer.

MM: Após Sulicídio e todas as consequências e movimentos que essa música trouxe, iniciou-se um processo de descentralização no rap nacional, o que fez com que o artistas de estados como Bahia, Pernambuco, e até mesmo Minas Gerais, começassem a receber mais visibilidade da mídia e do público. Como fã e ouvinte de rap, anos atrás, você imaginava que isso um dia fosse possível?

MB: Na prática, não acredito que aconteceu muita coisa. O público sempre tem necessidade de ter um choque como Sulicídio pra poder olhar para outros estados novamente. Tem toda a questão de mídia, canais de react, produtores de festivais e pesquisadores que medem a qualidade do nosso trabalho pelo número de views e pelo engajamento do público do eixo, e, em contrapartida, há artistas isolados em todo Nordeste, que não se comunicam e esperam um reconhecimento do eixo. Acaba não existindo ciclos de festivais e nem mídias de grande expressão aqui. Eu sempre priorizo liberar meu trabalho pro Oganpazan, veículo de mídia importante aqui da minha cidade (Salvador). Sozinhos, os artistas que tiveram êxito com Sulicídio não são suficientes pra se firmar uma cena. Aconteceu e teve seu ponto positivo, mas profundamente não aconteceu nada. Também acho que os artistas independentes de nosso estado sejam afetados por uma não profissionalização na Bahia e também porque muitas vezes preferimos reclamar ao invés de propor mudanças.

MM: Por fim, baseado em suas experiências como artista independente, se você pudesse fazer uma mudança no meio musical, qual seria ela?

MB: Eu mudaria tudo. Desde essa banalização com a arte e os artistas cantando folclore pras pessoas, até essa condição animal que colocamos em tudo. Principalmente na música. Mas nada disso pode vir através da violência, força, ou até mesmo da minha vontade. Eu estou apenas colaborando para entregar a mensagem de busca interna, autoconhecimento e de melhora nas nossas relações com o próximo. Essa diferença de cor, credo, religião. Uma mensagem que nos una em verdade e em espírito.

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Rima em Prosa é a coluna especializada em rap do Mais Minas. Nela, são publicadas notícias, matérias e entrevistas relacionadas à tudo de principal que tem ocorrido no rap nacional. Caso tenha gostado da entrevista com o Marcola, recomendamos a leitura de nossas matérias com Kamau, Budah e Don L

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